À sombra da dor
Antonio Miranda Fernandes
Um dia...
Desejos dela quiseram realizar outros sonhos.
Na ocasião abriu o peito e largou-se na abstração,
E a idéia ganhou leveza e alçou-se sobre o que era.
Sua alma bateu asas sobre telhados de quimeras,
E diante de janelas estranhas,
Acima da muralha do silêncio desconhecido.
Tudo aparentava um outro sentido...
Ela viu fragmentos de palavras, sílabas, versos...
Grãos que faziam névoa diante do seu olhar,
E pressentiu a crueza da realidade adiante.
Ela voou na cicatriz onde nem a luz havia pousado,
E sem perceber lancetou com o estilete da curiosidade,
A veia do limite das fugas e das razões poéticas,
E o pó das rasuras lhe sobrecarregou o arroubo,
E doeu...
Quando a neblina foi espadanada
Sob as cortinas que cobriam as retinas,
Seu olhar,
Verteu delgado fio morno de água salobra e cristalina
Que escorreu e respingou para o seu colo,
Gotas de desencanto.
Ela deixou que o abandono da proteção
Suspendesse o tempo e agasalhou-se com ele.
Tremeu com o frio dos espaços abandonados,
E, na mágoa, sentiu-se ainda mais só...
Ela pôde ver que letras transfiguram coisas
Sensíveis ao tacto do sentimento.
(
Eis aí o mistério na semelhança da metáfora )
Aprendeu que a dor não pesa mais que sua sombra
Expandida nos abismos onde a claridade
Não tenha eclodido.
Ela compreendeu o sentir tatuado
Com incisões profundas em tudo que era de seu.
Aprendeu a buscar nos versos além do que insinuam...
Então...
Fechou-se e pousou seu corpo no leito...
Resguardou no peito o que de bom restou e adormeceu...
Quando ela despertar já não será a mesma.