Amanhecer na roça

Às cinco horas e meia da manhã o homem simples, com caminhar manco,
Segue em direção ao curral da ordenha.
As vacas se aproximam para ganharem a porção de farelo com sal,
Como fosse recompensa pela permuta.

Com uma corda ele laça as pernas traseiras e o rabo do animal,
E faz um laço apertado para impedir o coice e as rabanadas.
Apanha o balde para o leite e senta-se, meio tombado pra frente,
Num banquinho de uma perna só, tão manco quanto ele.

Pega uma mangueira que jorra água cristalina vinda da fonte,
E lava as tetas da vaca sempre tagarelando coisas sem coerência.
Enquanto faz jorrar o leite espumante do úbere quente.

Um aparelho de rádio antigo, que galinhas usam como poleiro,
Fica permanentemente ligado sintonizado em estação de rádio local
Das cinco horas da manhã até às onze horas da noite,

Diz ele que é para os animais ficarem mais light.
Pergunto-lhe se não há o risco dos animais ficarem de “saco cheio”
E esconderem o leite quando chegar a hora da propaganda política?
Ele dá gargalhada gostosa com a minha brincadeira.

Quando uma vaca tenta enfiar a cabeça entre as tábuas pra roubar
Um pouco do farelo da vaca que está sendo ordenhada
Ele grita em voz alta dando um safanão na cara da atrevida:
“chega pra lá, ainda não é a sua vez, vaca filha da puta”
A vaca da um mugido aborrecido como retrucasse:
“Eu não sou filha da puta. Sou filha de vaca”

Entre xingamentos do homem simples e pregação dos cultos matinais,
Evangélicos e católicos, maçantes, que se espalham pelo campo,
Mesclados à algazarra dos:
Galos, galinhas, patos, perus, quero-queros e relinchos distantes.
O homem ordenha cinco ou seis vacas...
Depois ele liberta os animais no pasto e sorri feliz com a boca desdentada,
Para uns pés de bananeira.
Fecha a cancela de arame farpado e dá a tarefa como encerrada.

O Serjão Reis acabou com o sermão religioso cantando o “Menino da Porteira”

O leite, que é muito pouco, e lhe pagam quase nada,
É a principal fonte de renda para o sustento da família.
Ele sai do curral com as botas cheias de esterco fresco,
Que um dia será amontoado e espalhado para fermentar e secar.

Rega a pequena horta e colhe algumas folhas de taioba,
(A meu pedido. Somos amigos)
Que será refogada e juntada ao angu, costelinhas de porco, arroz e feijão.
Eu serei sua companhia para o almoço.