Arquivo morto
Antonio Miranda Fernandes

É tempo de retomar o rumo
Escancarar na alma a gaveta de inventário
Centrar o prumo
Para aliviar o arquivo morto
Incinerar quinquilharias que se instalaram
Nos vômitos dos porres
Apagar as carências de ausências no juízo torto
Coisas que permaneceram
E não se cansaram de serem apenas coisas
Por descuidado ou por necessidade

Do lado de dentro da porta, logo na entrada,
Estrelas respiradas na solidão das madrugadas
E romantismo de consumo
Pétalas devoradas por fungos entre poemas
 Sofrimento, padecimento, aflição... Que pena...

Fungos...
Expor ao sol a sombra virada do avesso
E socorrer a árvore tombada na metáfora,
Lancetar o tronco...
Podar ramos...
Escorrer o visco...
Guardar o frescor...
Libertar os pássaros...
Conservar o brilho das gotas de orvalho
Colhidas nas cercas farpadas...
Cheirar a flor...

Espanar o pó...
Varrer o dó de murcho entoar...
Organizar retratos amarelos que insistem...
Enxugar choros desnecessários e reacender sorrisos...
Rasgar cartas que perderam o sentido e jogar no lixo...
Colar cacos que valham mais que ordinários...

Puxar o fio estendido do novelo da vida...
Na outra ponta as garras do recomeço do círculo
Como fosse um gato...
Cordão de transferência às lembranças de criança...

Desfazer os nós cegos...
Apagar as pegadas dos passos nas barganhas
Abanar a fumaça para que se desfaça...
Secar o pranto e o fundo do prato...
Deixar espaço para novos guardados
E por abuso confuso
Evitar cremar o Eu antes do tempo