Cadáveres dos dias
Antonio Miranda Fernandes
É quase manhã de um novo dia.
Sinto ainda os estertores do dia que morreu
Alguns instantes atrás.
Ele foi feliz.
Um daqueles dias que não devia se acabar.
É preciso coragem para olhar os cadáveres
Dos dias que assinalam nosso caminho.
Ossos esbranquiçados que foram risos
Escancarados de alegrias
Transmudados em escárnios pelo fluir do tempo.
Restos fúnebres que atam as mãos, a alma.
Há palavras engasgadas na voz sem saída.
Choros derramados na solidão entre os silêncios
Da morte e da vida.
Apodreceres nos profundos da memória.
Como posso desejar que nada pereça no dia
Em que eu partir?
Alguém se foi, como se foi o dia de ontem,
Para que eu viesse, como veio o dia de hoje.
É preciso coragem para olhar os cadáveres
Dos dias que assinalam nosso caminho.
É preciso ser forte para suportar as feridas
Nos ideais flechados pela luz da nova alvorada.