Cão de rua
Antonio Miranda Fernandes
Aquele cão vira lata, com o traseiro na calçada,
A apreciar, com olhar dócil, as pessoas que comem junto ao balcão da padaria,
Na espera que lhe joguem uma migalha qualquer...
Sem o saber, evidentemente, machuca profundamente o meu peito.
Fica ali ansiando um gesto caridoso que lhe faça abanar o rabo de contentamento.
Há nele um esboço de sorriso talvez para não parecer um esmoler triste.
Ele lembra-me alguns momentos meus
Em que fico da mesma maneira ansioso diante de um poema,
Longo tempo...
À procura de um verso que sacie a minha fome permanente.
Eu não consigo ter amizade por uma pessoa grosseira,
Mesmo que me esforce muito e o queira.
Esse tipo de avaro despreza e suga o lirismo que encanta a beleza da existência.
Afinal no mundo existem desigualdades que se juntam e se necessitam entre elas,
E sentimentos que a vida não nos permite a livre escolha.
Ela me permitiria ter amizade por aquele cão faminto.
Se eu pudesse arrancaria a melhor parte de de mim e lhe serviria dizendo:
Toma querido, come!
Como fazer isso se em mim o coração não está no peito
E sim espalhado em todas as partes do meu ser?
Nasci com esse evidente defeito: Sou todo coração.
Um amigo é como uma estrela acesa sobre a nossa cabeça.
A minha mais luminosa se apagou num dia de maio passado,
E com o meu cachorrinho, o Petiot, morreu também muito do meu ser.
Rompeu-se um elo de incondicional querer que durou doze anos.
Parece-me tão pouco.
Fiquei assim...
A achar que o mundo tem coisas demais que são compráveis e dispensáveis...
Que morrer é muito fácil, mas viver é extremamente difícil.
Estou assim...
Em aceitação dolorida, por não ter outro jeito, resignado com a minha sina...
Quase perdido... Quase sem rumo a seguir...
Quase sem sentimento fiel de afeição assim como é um andarilho cão de rua...
Mas a lembrança do amigo morto ainda me ilumina.