Desculpa de pescar
Antonio Miranda Fernandes
Vou sair com a desculpa de pescar,
Mas antes quero olhar a florada da orquídea
Na área de serviço,
E fechar uma das janelas para evitar-lhe o vento frio do sul.
É preciso nada esquecer;
Vou levar um novo livro e outro já relido,
Mas que quero reler mais algumas vezes.
(Platero y yo)
Uns dois ou três poemas que andam no peito
Com vontade de virem à luz.
O violão e um encordoamento de reserva,
Algumas garrafas de vinho fino, queijos, guloseimas...
E a ração para o meu pequenino cão.
Quero esquecer o meu nome,
A ideia enganadora de prêmios e vitórias,
Apenas a minha sombra seguirá comigo.
O resto que não vai nem importa,
Já que nunca me pertenceu e não me pertence.
Quero ser uma pessoa nova,
Com um novo rosto,
Outra voz.
Vou engavetar antigas e recentes histórias.
Do sentido interior da viagem quando se está quase chegando...
(É que a ida recomeça, sem pressa)
Quero ver os barcos pesqueiros retornando do horizonte,
E o sorriso satisfeito no rosto do pescador,
Os mesmos colibris,
As mesmas borboletas,
Quero ver o mesmo céu, as mesmas estrelas,
Pisar as mesmas areias,
Quero sentir no peito nu o vento fresco do dia se pondo,
Os primeiros lampejos do farol na ilha em frente,
E ouvir o pio da coruja buraqueira quando a noite cai...
Fazer tudo isso como fosse vez primeira...
Cobrir-me de preguiça no relento e adormecer em paz.