Dor profunda
Antonio Miranda Fernandes
Caminho só, por este velho atracadouro de madeira
que vai sendo carcomido pelo tempo, pelos ventos...
num mundo matizado de cinzas.
Tênue e fria chuva molha-me o rosto e se mistura aos
pingentes em desalento cristalino dos meus olhos...
Um veleiro branco, de velas panejantes, liberta-se
e sutilmente zarpa rumando aos mistérios do mar.
O mundo tão amargo e aflito, povoado de abrolhos,
faz-me sentir mais longe de mim a alegria carmim
do teu sorriso largo.
Tantos barcos...tantos mastros vazios...
com suas cruzes balançantes bailam ária macabra
entoada por coro de adriças,
elos de correntes enferrujadas e rangidos frios
de velhas tábuas se roçando numa triste carícia.
Derrama mágoa na água do mar o soar melancólico
do apito longo de navio obscurecido pela névoa
que oculta o sol em pastoreio de caminhar bucólico.
Só a brisa me consola...acaricia-me o peito
sem camisa de maneira amiga e enternecida...
Quase por favor...
Quase como esmola...
Quase piedade...
Caminho só e distraído envolto pela tristeza ingrata
que assusta-me o pipilar da gaivota com asas de prata
voando sozinha em busca da companheira.
Ah amor! E é tão grande a ternura em mim...
poderia ser menor a dor...menos desabrido o pesar que
se aloja no meu peito e menos dorida a saudade,
por não estares aqui comigo, e a vida teria valor...enfim...
Minha querida...estou resignado...
no mundo de espinhos e sem flores...pois bem sei,
não pode ser ameno o sofrimento causado pela mais
profunda das dores, assim como não pode ser diminuído
o amor que lhe tenho.
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