Estouro da boiada
Antônio Miranda Fernandes

Foi numa tarde junina de sol suado!
Vinha emergindo a boiada profusa...
Surgindo sobre passos arrastados,
Despontando da poeira ocre difusa.

Saía a boiama confusa e cadenciada
Ruminando e olhando para o chão...
E de sinos dispersos, as badaladas,
Iam tocando a massa em procissão.

Em balada profética de triste agouro...
Com pegadas de sofrimento no sertão,
Caminhando resignada ao matadouro
Mugindo! Entoando, estranha oração.

Por vezes...Uma rês, cheirava o vento
Com olhar incendiado de condenado,
Bramia profundo e mórbido lamento
Mas ia, indiferente ao destino traçado...

Volvia à marcha da sorte derradeira...
Entrecortando a lamentação chorada
Tangida pelo “tocador” da bandeira;
Vermelha...Manchada e esfarrapada!

E os chocalhos na poeira dispersos... 
Entoavam canto lúgubre e intrigante!
Desalentos, de uma nota só, em verso,
Mais tristes com o tanger do berrante.

Do peão que com esporas prateadas, 
Montava cavalo de suor e salgado olhar
Que escorria pó pelas ventas molhadas
E ferraduras faiscando fagulhas no ar...

Quando quebrou em instante preciso
O galho de árvore que cai estalando... 
Em cima de uma rês que...sem aviso,
É assustada e escoiceia disparando...

Outras que mugem, tropeçam e rolam;
Alando chispas braseiras num clarão!
Cabeças e chifres confusos se tocam...
O sangue jorra vermelho para o chão!

Chifram entranhas e solo encarnado,
Quente. Portas do inferno apartando...
Cavalos e bois de olhos arregalados 
Que se chocam e os ossos estalando.

Cheiro de sangue, excremento e suor;
Corpos jogados no ar se contorcem!... 
Bulício de cães feridos ganindo de dor
E, de mugidos ruminantes que morrem.

Homens que deixam viúvas distantes;
Fica frágil o valente, entregue à sorte...
O destino silencia mais um berrante!...
O forte sabe quando é hora da morte.

Filhos que vão crescer órfãos de pai...
Da desgraça farão história de valentia!
O mundo gira... Sob patas... E não cai
Com certeza, serão boiadeiros um dia!