Gavetas
Antonio Miranda Fernandes

São tantas as gavetas nos móveis dispostos pela casa...
Na mesa, na cômoda, na mesinha de cabeceira, no aparador...
Gavetas de cerejeira,
De mogno,
De carvalho,
De madeira que não conheço...

Gavetas com roupas,
Com calçados,
Com fotografias amareladas,
Com desenhos,
Com músicas,
Com rabiscos descuidados,
Com poemas,
Com números de telefones,
Com endereços...

Gavetas com coisas de cama, mesa e banho.
Gavetas com tantos guardados,
Que ainda ficarão nelas por longo tempo...
Chaves, relógios quebrados, e cacarecos de todas as formas...
De todos os tamanhos...
De lembretes esquecidos e de lembranças pra sempre,
E até pequeninas gavetas com segredos dentro de outras gavetas...

Mas nenhuma em que caiba o esplendor do teu olhar,
Que se expande assim como faz o Universo.

Nenhuma aonde possa guardar o teu perfume,
A umidade dos teus lábios,
O tatear das tuas mãos sobre a pulsação dos meus desejos...
Gestos de urgência incendiados e trêmulos...
A macieza da tua barriga e dos teus seios.

Gaveta para os guardados que transbordam do meu peito.
Então...
Quando a saudade na tua ausência doesse o coração como o faz agora,
Eu a pudesse escancarar,
E revivesse dentro dela os afagos da felicidade.