Letícias e açucenas
Antonio Miranda Fernandes
Assim foi desfeita à tarde de letícias e açucenas...
Chiaram as argilas aquecidas pela fornalha que se fez na tarde
Ao receberem, aos borbotões, a chuva que despencou.
Encheu-se de horror o céu rasgado por raios e trovões...
Podia-se ver gesto de escárnio demoníaco estalando chibata
De fogo e espuma no livor da língua faminta.
Parecia estouro de boiada no tropel derradeiro...
Ou gritos dos queimados nas labaredas do inferno.
É mítica e urdidora a vida...
É alagada quando não é queimada ou apenas enterrada.
Ouvi acima desse escarcéu de desordem
Um murmúrio de voz que pareceu vir de muito longe...
Em sussurro...
O mais baixo e suave sussurro...
Ele entrou pelas fendas da vidraça vindo do fim do mundo
E confidenciou-me desvelo que eu necessitava ouvir.
Sem entender por que carinhos vinham juntos de temporais,
Pois nada mais assustava ou podia reverter,
Entreguei-me como mãos que desistem.
Deixei-me envolver pelo alento no abandono de olhos fechados.
Só ária de conforto era ouvida, e era o que importava...
Afinal ela entoava notas do meu segredo mais íntimo.