Miragem
Antonio Miranda Fernandes

Ela entrou sem pedir permissão e deitou-se na cama que era minha
Como se dela fosse
Afastou o lençol bordado e ocupou o meu lugar

Ajeitou os travesseiros contra a cabeceira e aninhou a cabeça no meu cheiro.
Cobriu com os cabelos as iniciais nas fronhas

No olhar e na boca o sorriso de peraltice insinuou-se
Ela nada disse
Risonha
Tocou os seios com as pontas dos dedos que depois desceram
E riscaram o ventre de modo insinuante no convite para a posse

Eu que a esperava a tamanhas noites de tantas mil longas horas
Olhava-a da escuridão que ela nunca ousou debilitar com a luz que tinha.

Na obscuridade do isolamento posseiro da ausência de sono
Calado
Eu lia o seu corpo enquanto preparava o meu para ser dono sem invasão
Fazê-la definitivamente minha mulher

Vi a sua face ganhar a aparência da minha imagem
Só ela sabe que não existe além dos limites do meu ser
E dessa maneira persiste em minha forma
Cada segundo, cada minuto, cada hora, cada dia, cada mês, cada ano...
Ela vive a minha vida independente da minha vontade

Ela é da alma a janela, do coração a porta, é o meu silêncio e também o grito...
Dorme o meu sono...
É sede e água, comida e fome
É alegria e tristeza (quando dela há)
É a verdade e o mito
É a espera e a caminhada
É o agora e a incerteza
Usa o meu nome
Ocupa como sendo dela o lugar que era meu e eu o permito
Além da verdade em mim nada importa
É impossível o conflito...
Ela é miragem