No nevoeiro para
sempre
Antonio Miranda Fernandes
Hoje a tua mão se soltou da minha num deslizar
Quase arrependido.
O teu vulto se afastou passo após passo,
Suspensos no caminhar de quem não queria ir
Até se dissolver no horizonte.
Os pássaros...
Os ventos...
Os sinos das capelas...
As carriças nos beirais...
O murmúrio do regato que se lamentava pelas manhãs
Antes da algazarra dos galos
Estalou-se como fio de cristal e perdeu a graça.
O cantarolar das lavadeiras...
O farfalhar das roupas lavadas presas no varal...
O vozear de gente falando sem sentido...
O arrastar da cadeira...
A queda da vassoura pelo descuido da faxineira...
O bater da veneziana quebrando o vaso da avenca...
O grito do garoto na corrida para a escola...
Os latidos dos cães só por brincadeira...
A alegria fingida do passarinho na gaiola...
O ranger do elo ao se partir interrompendo a corrente...
Os sons todos...
Absolutamente todos para não ficarem de fora os que eu esqueci...
Emudeceram,
Esmoreceram
E murcharam,
Até mesmo os prantos comprados às carpideiras secaram
Como flores após o requiem aeternam dona eis
'dai-lhes o repouso eterno'.
Como fossem palavras apressadamente pronunciadas
Daquelas logo após arrependidas...
Enfim... Até o esvoaçar das cortinas nas janelas...
Coisas banais, mas naturais do preenchimento das vidas...
Os nossos vultos de mãos dadas perderam-se
No nevoeiro das lembranças para sempre...
O chorar do meu coração não será notado
Guardado dentro do peito.
Tampouco que minha alma morreu mais um pouco.
Porém serão mostrados os frangalhos nos poemas que virão.