Prelúdio de uma
coisa só
Antonio Miranda Fernandes
Quando estou no prelúdio ele estanca-me para eu ouvir o nascer do sol,
Numa histeria de ternura a olhar o útero da ilha ainda em trabalho cesariano,
Para lá do navio indiferente, indolente e capengante.
No limiar avesso da vida, debruço-me sobre mim no tempo...
Está tudo tão radicalmente parado...
Com a imaginação na placenta a sangrar o eclodir do dia,
Evito que o meu olhar, aos soluços, caia quebrado sobre as areias,
Como uma ave abatida em pleno voo.
Queria ser alegre sem precisar exorcizar a tristeza criadeira.
Ela é tão importante para o florescer de obras de arte.
Sinto na alma como tudo parece ser só...
Tão profundamente só... e, no entanto nada existe separado do nada.
Cada objeto se fundamenta no nada...
Cada objeto parece ser no espaço que ocupa...
No entanto a solidão embora não palpável...
É... a única coisa que é...
Sinto-a assim.
Comungo da hóstia que brota dentre os ventos frios,
E sinto-me a um só tempo:
Ázimo consagrado no vinho e divindade a comer da vitima oferecida em sacrifício,
Até fartar-me da embriaguez de emoções ao ver abrir-se,
Para mim,
Como ostra a mostrar a pérola...
Mais uma página de vida.
Elas correm-me do coração pelos rios do meu corpo deixando-me,
Do lado de fora das pálpebras, um manto úmido de êxtase e salsugem.
Então...
Como o navio que passou sem que eu percebesse,
Confuso como o gato agarrado ao fio da meada,
Retorno ao mundo das coisas que me chamam pronto para dividir-me.