Telhas e musgos
Antonio Miranda Fernandes

O amanhecer enevoa-se umedecendo
Os limos das telhas encardidas
Que cobrem o despertar do velho vilarejo.
Há no ar o aroma dos musgos sobre os muros.
O cheiro de capim novo nos terrenos baldios,
E café sendo coado em coador de pano.

O bulício de pardais nos ninhos sob os beirais.
O vozeio impreciso de crianças alegres,
Sentadas à mesa lambuzando-se de margarina.
Risos no aprendizado...
Choro nas brigas infantis...
Tristeza no engano.

Ondea o vento sobre as cumeeiras.
Ora como pluma...
Ora como cavalo selvagem...
Ora como a língua lasciva do homem
A lamber os seios, o ventre e as coxas da mulher...
Ora o escoicear no gozo depois da cavalgada.
Meio animal.
Meio humano.

O vento em liberdade
Assopra uivos por entre frinchas das janelas.
Percorre becos do povoado,
Tal algoz assustando cães vadios
Enrodilhados com frio nas soleiras das portas.
Açoites...
Assovia nas antenas de televisão.
Esvoaçam roupas esquecidas nos varais,
E entre elas um vestido.
Antevi as coxas da lavadeira ao estendê-lo.
Bandeiras coloridas à luz do dia.
Bailarinos na solidão do abandono no meu olhar.

Ele sibila um nome na minha veneziana...
Desencava-o do fundo da minha memória,
E o meu pensamento alça-se em voo
Para além do horizonte que vejo.

O langor,
No seu jeito manso de quem nada quer,
Abre-nos o peito e instala-se à sua maneira.
Vou hospedá-lo por algum tempo,
Afinal trouxe na mala lembranças e saudades
Que o meu sentir aprecia.

Elas não chegaram com doer nem com favor.
Tampouco com indiferença.
O languescer é mesmo assim,
Vem sem perguntar à gente se pode vir,
E fica até enfraquecer a própria languidez,
Depois parte sem pedir licença,
E vai se perder novamente por aí em qualquer lugar.

O amanhecer esbanja frio
No silêncio das vogais e consoantes encolhidas...
Nos espaços abertos... nas pausas...
Além disso, nenhum mal fez.
Nomes e fisionomias se perdem na roda viva.
Nomes se sobrepõem...
Aparências se confundem...
Só quem é livre pode se perder.

O poema e o dia,
Aguardam que as palavras se aqueçam,
Sem pressa de serem fechados,
Nas gavetas, nas cicatrizes, nos passos.
Esquecidos no jeito da vida se cumprir.

A minha alma aquieta-se a ouvir
O dobrar dos sinos da igreja oculta na cerração.
Há no seu repicar pitada de melancolia,
Que eu não queria.
Veio no diapasão entristecido...
Está!

Pois que fique, enquanto lhe apetecer.
Permito-a no canto final da taça de vinho.
Confesso;
Não me incomoda...apenas a garganta amarga.
Mais nada...nenhum conflito.
Não me causa dor.
Não me arranca grito.

Talvez ela inspire alguns versos,
Se puder esperar um pouco.
Ou, quem sabe, eles já estejam no papel em branco?
Pois que esperem alinhavados...
Agora tenho uma mulher nua dentro de mim,
Que emergiu do nevoeiro que se fazia.
Quero cobri-la de carinhos que tenho guardados.
O calar do meu canto portanto,  não é pranto é amor.