Tempo guardado
Antonio Miranda Fernandes
Está o tempo
Guardado dentro dos meus olhos em sutil lamina aquosa,
Aparentemente um tudo ou nada,
Agora o sei...
Agora que não sou mais moço.
Tão somente depois de muitos passos,
Nem sempre fáceis, pelo caminho que me coube.
Só a pouco eu soube que a limpidez do meu olhar,
Que parece teimar em buscar lembranças distantes,
Ao ser lavado com água, sal e açúcar do profundo de mim,
Tem vestígios de encantamentos que nele pousaram:
Um verso ao acaso,
Um olhar que no meu colou por um instante que se alongou,
Um gesto ainda dissimulado com desejos de amor...
Notas musicais caídas de ninhos em beirais...
Fidelidades sonolentas enrodilhadas nas soleiras...
Hoje sei...
Bem sei que o repouso é menos que um dizer,
Menos que uma palavra balbuciada.
Quantos gritos contidos...
Quantas juras de amor não pronunciadas,
Hoje transmudadas em injurias.
Quantas sombras menos que nada
Existem aí e são meus sem que o saiba?
Talvez cheguem ao arco-íris os mesmos matizes
Que pensei estarem esquecidos.
A neblina parece ser o ponto de encontro do
Que ficou largado para sempre.
Difuso...
Quase confuso... Quase um nada...
É assim o tempo sob as minhas pálpebras
Úmidas de saudade.
Meço os momentos...
Alguns eu guardo para a fundura das águas dos mares,
Outros para o modo como os meus lábios
E as minhas mãos estremecem.