Timoneiro
Antonio Miranda Fernandes

Há na pausa das reticências o espanto
De não sermos a carranca
Na proa da nossa nau em todos os momentos

Há as surpresas nas noites minguantes dos sentimentos
De nem sempre usarmos o dom de afastarmos os fantasmas
À espreita em cada curva do rio

Se a vida se auto-escreve a cada dia
Lê-la

É preciso zelo em cada capítulo
Cada parágrafo
Ouvir os sussurros das correntezas
Cada roçar da quilha nos traiçoeiros baixios de areia

Evitar os irreparáveis erros dos impulsos
As pautas sem o perfeito entendimento
O desinteresse quase sempre antecede a desistência

Quando em tempo de segurança e maturidade
O fraterno fogo aceso a cada palavra amiga

Escritas deixam estigmas definitivos
E irão fundo aos sentires
Ou com pouca ou nenhuma importância
Com ou sem cicatrizes
Com ou sem conflitos

A mão estendida ao aperto da aceitação
Às mãos como as nossas mãos
A continuidade
As outras devem ser esquecidas
Desde a primeira lágrima
Desde o primeiro grito

Mesmo quando escorraçada por terríveis temporais
Ou quando se apresenta como ilegível monotonia
De indecifráveis sinais

Buscar a coreografia das memórias:
Marcas de nascimento, infância, lugares, gestos e palavras, pessoas que não passaram
Não deixar o descaso da apatia moldar a face
Nem o olhar tropeçar em raízes expostas do caminho

É madrugada
É momento de repouso
As letras da reflexão evitam os vôos rasantes
As derradeiras sombras da noite magoam-lhe as pupilas

Mesmo com os olhos deslumbrados de paixão
Mesmo com o olhar alagado
Mesmo com a ansiedade a estufar o coração
Abandonar a acomodada indecisão da penumbra

Olhar com calma pela janela o lado de fora
E apreciar com a consciência agradecida o nascer de mais um dia
Na busca incansável de procurar entender
Manhã após manhã durante toda a vida
A indecisão aparente da luz