Vinte e duas e trinta e sete
Antonio Miranda Fernandes
Passaram-se
Quinze minutos depois das vinte e duas horas...
As constelações acima das nuvens...
A memória ciranda em devaneios dentro dela...
O bairro luz com brasas em algumas janelas ainda despertas...
Parece final de festa junina...
O lume oscila com o sopro do alforje...
Os bem-te-vis dormem
No ninho que fizeram no nicho do ar condicionado do prédio vizinho...
Os grilos certamente não...
As corujas também não...
Elas fartam-se com as mariposas que volteiam a lâmpada na praia.
O vento morno infiltrou-se entre as cortinas,
E veio abrir à força com força de alavanca
As letras que repousavam no dicionário...
Trovejou...
Um raio caiu em algum lugar...
Desgastada pela saudade a fotografia que feriu como punhal desfez-se...
Mesmo que a dor não queira e por mais que ela doa é passageira...
Já não faz tanto mal...
Quase passou completamente...
Quase... quase...
O tempo às vezes leva muito tempo...
Ainda mais quando ele é linimento para dores.
Não adianta o desespero atrasar o ponteiro do relógio com o dedo...
O correr ou andar devagar está dentro da gente e não do lado de fora.
O poema que devia ser de amor cansou-se de esperar,
E espatifou-se no primeiro verso...
Salvou-se apenas o enredo,
E o penar...
Pena arrancada da asa antes do primeiro vôo.
Insiste em adormecer o olhar que se faz triste e seco com as lembranças...
A sensação de areia por dentro das pálpebras...
É momento de ouvir o choro do céu.
O amar como antes não se repete...
Não adianta teimar... não adianta...
Então que ele fique como está...
O sentir que antes era oásis agora é deserto...
Vinte e duas e trinta e sete.