Abandono
Antonio Miranda Fernandes 

Quando o seu caminhar dobrou a esquina,
Além da poça d’água na calçada de onde brotava
Um urbano arco-íris,
Senti a sensação de estar lhe perdendo como se perde
Um grão de areia na imensidão do deserto...
Assim como o luciluzir de um pirilampo entre as estrelas.

Embora minha vida tenha marcas de momentos efêmeros,
Difícil aceitar o término de um relacionamento
Sem lágrima de saudade na partida.
Assim, como a crueldade da faca funda na carne.

Dói, como dói quando os amantes se desencaixam,
E se vestem mudos, ainda lambuzados de orgasmos...
Sem um olhar de contentamento...
Ainda engasgados...sem um beijo...
Sem um abraço de felicidade...
Sem uma palavra de agradecimento...além do até logo.

Malvada sensação ficou quando você virou a esquina, 
Além da poça d’água de onde um cão sem dono
 Arrancava nacos dos meus devaneios para matar a sede.

Pude sentir sonhos desabarem na fundura da negrura,
Quando o teu corpo, vazio do meu, perdeu-se
Levando nele, aguado, meu cheiro.

Tudo tão apressado lenitivo...
Famintos apenas matando a fome dos corpos...
Tudo apenas instintivo...
Tudo tão morto...

O meu ainda queimava e se afogava de prazer na tarde
Que sangrava ferida do próprio punhal.
Sobreviveram as trocas de carências no momento...
O luciluzir perdido do pirilampo entre as estrelas.
Perverso o sono canibal comeu o prolongamento...
Restando o abandono...nada mais...