Atracadouro de carcomas
Antonio Miranda Fernandes

Vem...
Senta-te aqui ao meu lado,
Neste velho atracadouro de tábuas que alimentam as carcomas.
Ouve...
Como as madeiras rangem os mesmos fôlegos
Que um dia disseram ao poeta ser o êxtase da cópula fecunda.
Lambuzada de cheiros das alvoradas
Despontadas em ânsias impudentes.

Porém hoje...
As respirações de musgos rilham mágoas alquebradas pelo tempo.

Aprecia...
O vôo daquelas gaivotas estridentes
Que entram e saem dos matizados gris da neblina...
Não parece que elas morrem ao penetrarem,
E renascem ao saírem?
Elas ficarão assim até que o sol se faça pleno,
E depois se desmancharão em luz.

Olha...
Como bailam aquelas duas garças nas areias da maré vazante.
Elas estão felizes,
Apenas por serem felizes.

Vem...
Senta-te aqui ao meu lado,
Neste velho atracadouro de tábuas que alimentam as carcomas.
Enlaça-te no meu braço,
E acompanha-me neste despertar dos sentidos.

Abre uma fenda em minha vida,
E enraíza-te nela como o poema que desejo sentir.
Faz retardar-se o velho barco na vinda que nos transportará
Para a outra margem.

Vem...
Façamo-nos completos como o esplendor do dia.
Tu tens o poder de me fazer voar como as gaivotas.
Tira-me definitivamente do nevoeiro à tua claridade.

Vem...
Abraça-te em mim.
Bebamos ditosos do maturado néctar em nós.
Pousa-te nas linhas das palmas das minhas asas,
Até a luz do vôo se pôr, lentamente, por trás das incógnitas.