Intenção da estátua
Antonio Miranda Fernandes

Já vão além do horizonte remoto as lembranças
Da mocidade, quando atirávamos pedras à água:
Elas resvalavam em carícias, arrepiando o lago,
Que, em êxtase, deixava o silêncio emergir.
As pedras extraiam às águas transparentes
O sossego que as unia e nos enterrava na carne.

Já vão além, também, mas não muito,
Os tempos em que o albatroz da aventura alava-se
Com as asas de um anjo, e desatando nós e horas,
Sem medos e sem náuseas, dava um salto no vazio,
Sobre o vale de lágrimas na busca de novos sonhos.

Agora que sei morder o vento, engolir a bruma,
E adormecer na soleira da porta sem aldrava,
Entendo os choros das rochas negras.

Ouço a voz das estrelas e noto a intenção da estátua...
Sei que é alegria na alforria da alma escrava.
Vejo o santo proscrito e ouço o murmúrio do grito...
E rasura na profundidade pura da palavra...

A maturidade coloca cajado na mão do moço...
Agora que meu coração navega por onde conheço,
Quando jogo pedra à água, o lago que virou mar,
Cresce uma onda salgada e a engole:
(Como se eu lhe atirasse naco de alimento)

A pedra que resvala não é a mesma no poço...
Afunda com muito do nada e pouco do tudo...
Fragmenta-se...e em pedaços
Deixa-se ir ao fundo e guarda o silêncio dentro de
Uma ostra que com ela faz uma pérola rara.