Lágrimas e ranho

Antonio Miranda Fernandes

 

 

Venha-me hoje do fugaz instante que lá ficou

Em algum ponto do arco do tempo

O menino nu e choroso sentado no quintal

E do qual ora mal percebo o contorno.

 

Era ou foi uma vez...

Entretido o menino com o coração tristonho,

Persistia em perguntar ao seu cão,

 Por que havia o mundo de ser tão mau?

 

Diante da mudez do animal amigo

O menino assoprou o fiapo de terra

Que lhe escorria da mão feita ampulheta,

A medir o efêmero fio da existência.

 

E assim...

De maneira casual o pó moldou em argila

A máscara da cara suja de criança

As lágrimas que o seu peito manou

E o ranho que lhe escorreu do nariz

Num pranto espumoso com sabor de sal

A sufocar reclamos que talvez quisesse fazer.

 

Por quê?  Por que assim havia de ser?

Esquecida folha morta nos ventos da infância?

 

Enfim...

Restou-lhe o choro sedimentado para sempre

Que fez barrento o seu olhar para os sonhos,

Sem os abandonar, embora mudos,

Pois as quimeras já não são as mesmas,

Mas ainda doem mais hoje que antes.