Menino travesso
Antonio Miranda Fernandes

Vem meu menino travesso...
Vem pra fora de mim...
Vira-me do avesso e liberta-te por fim...
Embora o meu peito seja o lugar mais aconchegante pra te guardar,
Não tem mais jeito.

Ele cansou-se dos gritos que ninguém ouviu...
Das lágrimas, lá dos primeiros passos, que ninguém viu...
E a qualquer hora, pois tarda, já não demora, vai rebentar.

Vem...
Vem com essa tua maneira buliçosa de quem goza com a brincadeira.
Os cômodos não estão vazios de esperanças,
Tampouco cheios de silêncios emudecidos a tua espera,
Como o filho sozinho que antevê o vôo da cegonha.

Vem...
Ah quem dera o mundo todo risse a tua risada escandalosa...
Ah esse teu modo matreiro sem censura e sem vergonha de criança,
Para encher de graça a mesmice grisalha que escangalha...
O sonhar desesperançado que devia ter ido, e embora triste, insiste em ficar...

Muito além dos limites parcos do espelho...
Além do tatear trevas, com os dedos, os medos enganados,
Os cabelos descuidados...
E no desleixo calado esperar o mundo girar e se acertar num momento...
Reencontrar o prumo e o eixo.

Vem...
Ouve o meu chamamento às vésperas de alquebrado,
Pois por certo, já demorou bastante, a fusão do homem e do menino...
Porém...
Sinto-te bem mais perto agora...

Vem...
E traz a fieira pra rodarmos o nosso pião nem que na marra...
Não vamos aguardar o final do barbante ao desenrolar o novelo da vida...
Vem...
Que ele encontre de pronto o seu prumo e o seu eixo, mesmo que vacilante,
Para gozarmos o que temos preservado.

Vem...
E desocupa de culpa o meu coração por tê-lo esquecido entre os guardados.
Vem...
Que eu preciso tanto... Tanto... Do teu canto fora de mim,
Agora sim...
Vem...

Vem...
Vamos cair na farra...
Vamos cantar em dueto bem alto...
Calar de sobressalto todas as lengalengas e ladainhas,
Por não serem tuas nem minhas.

Vem...
Vem... Vamos, tu e eu, prosas e de braços dados,
Empinar a pipa colorida que vivenciamos além das nuvens e dar graças à vida,
Pelo pote de ouro no fim do arco-íris, que ela nos deu...
As pedras... As dores... O cansaço... Os prantos... Que ficaram na jornada...
Agora, pouco ou nada importam...

Vem...
Dá-me as tuas mãos juntas em mancheias dos nossos sentires...
Vamos aspirar em cada uma das rosas do jardim, acima dos espinhos,
O perfume de outros sonhos, ainda em botão, pois se faz o tempo de desabrochar...
Agora que sou ainda mais teu...
E tu mais meu...
Vem para fora de mim com esse teu sorriso maroto, garoto, que tanto me encanta.

Vem...