Quanta maldade
Antonio Miranda Fernandes

O quê Ele fala à sua bengala?
Gesticula,
Gesticula e gesticula...
E Balbucia...
Falará do mar... de amor... da saudade... de dor?
Busca com mão trêmula no bolso das calças o lenço,
E enxuga o lacrimejar próprio da idade e o suor
Que lhe salgava o olhar sobre a mulher,
Quase nua,
No calor de trezentos mil quilômetros por segundo.

E agora...
Por que o tempo, de uns tempos pra cá, tem mais pressa?
(Será impressão na solidão?)
Há mais lixo nas ruas
Mais pobreza sob marquises e nos bancos da praça
Mais gente pedindo esmolas
Tantas bundas e seios pra fora
Celulites e silicones sem graça
Mais cães de estimação...
Parece mesmo que os dias de hoje
São mais curtos que os de antigamente!

Queria Ele,
Sem o sentimento de estar cometendo suicídio,
A liberdade pra matar a vontade de lingüiça frita,
Carne de sol com abóbora e torresmo de barriga,
Beber uma cerveja bem gelada depois da cachaça.
Petiscar tremoço,
E tantos outros deliciosos pecados.

Nada de legumes, verduras ou frutas...
(Sem se importar com intrigas)
Pra arrematar, feliz e sentindo-se moço,
Ir, logo mais, à zona comer uma puta das mais sem-vergonha.
Uma puta, puta mesmo...
(Não a deusa da poda na mitologia romana)
(Dizem que as mulheres da vida f..... melhor)
Queria Ele?

O quê Ele tanto fala à sua bengala?
Na verdade pouco ou nada importa...
É apenas curiosidade...
Sentei-me ao seu lado...
Éramos três agora no banco do calçadão de Copacabana...
O Carlos Drummond de Andrade,  Ele e eu.

Que diabos,
(Disse ele sem que houvéssemos perguntado)
Havia esquecido de tomar AAS infantil pra afinar o sangue...
(um por dia pro coração não ter enguiço)
Ontem foi a senha do banco pra sacar a aposentadoria...
E anteontem o número do ônibus pra ir à cidade...
Outro dia que a bengala sempre está atrás da porta...

Lapso da memória... apenas isso.