Uma única palavra
Antonio Miranda Fernandes

Fiz uma boneca de pano com frangalhos de cetim esquecidos que encontrei,
E a preenchi com chumaços de respostas e perguntas, rentes e profundas.
Sussurros e voz gerados e paridos na obscuridade do despovoado.

Apaixonei-me e bebi do mel e do vinho de pote e de taça antigos.
Carente e bêbada abri o peito e dei-lhe vida.
Fiz-lhe cabelos com o limo que crescia numa pedra abandonada.
Ébria, dei-lhe a transparência da água, a sabedoria e a fuga das fantasias,
E, ardendo de excitação, dei-lhe a chama.

Mais uma desilusão em farrapos...
Sonhos que despertei e serão em outras nascentes.
Pois que sigam, se façam se enrosquem e se desfaçam.
Há centelha em mim para fecundar novos enlevos e incendiar outras penumbras.

A realidade é argila...
Não sei o que amo depois do desencanto.
Amo em abandono.
Quero desflorar as minhas entranhas diante do espelho e conhecer minha nudez.
Abandonar a placenta e as sementes cegas numa cova e fechar-me novamente.

Seguirei em frente pelo único caminho possível em busca de uma palavra...
Uma única palavra...
Que abra o que ainda é flor em mim.