Na praça
Antonio Miranda Fernandes
Na praça não há igreja, mas há o cantarolar de anjos na manhã.
Não há torre para sinos...
Há demônios, folhas secas, palitos de sorvetes e mendigos.
Espalha-se o aroma de café e pão fresco vindo da padaria...
Os pássaros trinam alegres nos verdes das árvores.
Num dos bancos de cimento, com propaganda de farmácia,
Um homem boquiaberto impassível na sua aparência de demência,
Olha o vazio, ausente a tudo no tempo que lhe parece parado...
Não há gritos, nem conflitos, não há espera nem esperado.
Uma mulher, largada nas lembranças de criança, dança nas
Pontas dos pés, os compassos musicais do interior da sua cabeça,
E gargalha com zombarias para os passantes.
Há alegria e liberdade na sua ausência às regras sociais...
No coreto, alguns degraus acima do rés do chão,
Um bêbado, curvado como feto, curte a ressaca num sono profundo
Enquanto andorinhas migratórias chilreiam nos
Vãos das telhas e defecam no seu paletó encardido e roto.
É muito aquém de agosto e das crenças em loucuras,
Porém quase final de março,
Final das águas, anáguas, mágoas, e dos poemas pobres...
Flores e folhas secas se despregam do caramanchão...
"Tudo como dantes no quartel de Abrantes" E Napoleão que se lixe.
Porta do outono, quase impasse na praça sem graça.
Uma moça atleta passa usando moletom muito justo,
Balançando os seios de silicone e o glúteo avantajado,
Gesticulando os braços no amplexo ao nada a cada passo...
Seus tênis exageradamente brancos, espantam um cão
Vira-lata que se afasta ganindo para os cantos escuros.
Num outro banco um casal de jovens se enrosca em
Amassos entre beijos de creme dental e chicletes tutti-fruti.
Ensaiam na brincadeira de amar para pai imberbe e mãe
Solteira de mais um brasileiro sem eira nem beira,
E no banco em frente um homem lê as notícias de jornal
Que vibra em suas mãos trêmulas e estranhas.
Os homens trabalhadores e os homens desocupados
Tomam café e cachaça em copos mal lavados na padaria
Aonde mulheres sonolentas compram pães e leite.
Um velho amarrotado como sucata de desmanche, rega as
Azaléias do jardim e uma velhota de lenço na cabeça,
Lê a bíblia, atira milho aos pombos e cospe asma virando
A cara de lado como fosse o gesto um requinte educado.
O tédio me invade...a náusea me revira o estômago...
A salvação surge entre as pedras do calçamento,
Naquela junta de terra onde nascem gramíneas, no
Esterco ressecado de cavalo, uma pequena flor vermelha...
Muito viva, uma maria-sem-vergonha, sem vergonha alguma.
Imaculada, como eu gostaria fossem todas as Marias,
Floresce um poema e "salva a Pátria" da phoda completa.
Grito para os garis da varrição pedindo cuidado com a flor.
Afinal, neste mundo exageradamente real e doente,
Uma flor...acima de toda dor, de todo desencanto...
Há uma flor...
Flor simples... num estrume que não é de Brasília, mas...
Uma flor.
Antes de eu deixar a praça, olho para o banco onde está
O homem boquiaberto, que continua impassível na sua
Doença degenerativa balbuciante interrogando o vazio,
E ao seu lado a mulher dança... e dança nas pontas dos pés,
Sob a sombrinha puída aberta, abraçada a um totem imaginário...
Ali...
Não há a chuva que completaria com genialidade a fantasia.
Dali...
Salvador estímulo surrealista para obra de arte...
"Singin'In The Rain"
Assim a vida passa na praça e em toda parte...