Casa
Antonio Miranda Fernandes
Eu fui conhecer um casario antigo...
Dei um passo sobre um cão vadio que dormia na soleira da porta
Puxei a aldrava e entrei com caminhar de cuidado como pisasse em ovos
Ou como entrasse entre páginas de história desconhecida de um velho livro.
Abri a janela descorada da velha habitação
E os rangidos das dobradiças enferrujadas,
Um após o outro,
Soaram como notas de violino desafinado em ária morta,
Ou o arranhar de lima na cegueira do corte ao afiar os dentes do serrote.
Uma réstia de sol entrou no cômodo vazio
E iluminou uma rachadura na parede que ia do canto ao portal do quarto
Como ela fosse um ferimento de morte.
Pareceu-me:
Uma cicatriz na sucessão dos anos aberta com angustiante calma...
Um poema sobre papel rasgado e recolado com versos arrependidos...
Uma recordação duradoura de ofensa em sonhos desfeitos...
Um risco no peito oco que aumenta e expõe o íntimo da alma...
É um buscar morrer com dignidade
como elefante velho ao ser abandonado?
Um pouco acima do ferimento trêmulo um retrato de mulher.
Ela tinha o olhar desbotado... O sorriso amarelado...
Os cabelos desgrenhados pelos borrões do tempo...
No chão de tábuas velhas pedaços de reboco da parede se arruinando.
Consternado
Fechei novamente a janela e o escuro tépido cobriu os mofos e os cupins.
O cão sem dono definhava no seu sono.
Ah como são tristes as casas abandonadas.
Parecem Senhores solitários arcados nas suas dores, ao lado de crianças.
Casa
Que um dia abrigou tantos desejos veementes e agora apenas ecos rangentes.
Lar que perdeu a alma e jaz e se desfaz na viela do povoado.
Ela permite que o vento se infiltre entre as fendas do telhado arqueado
E assovie longas notas fúnebres a embotar lembranças.