Lata d’água
Antônio Miranda Fernandes
Saindo do braseiro do purgatório
conversando com seus poucos botões,
lá vem, capengando, a Severina,
e vem mastigando lamentações.
“ ...é certo que estou fraquejando
e a lata vem cada vez mais vazia...
faço isso desde muito pequenina
e nunca houve água que fartasse.
Decerto quando minha força faltar
a lata é bem capaz de sair sozinha.
Ouvi dizer o mundo acabou em água...
há!...se pouco dela aqui chegasse.
que agora carece acabar em fogo...
é... pois bem é...
e pelo aparente aqui isso já começou.
Vai findar como todo nordestino...
de pé pingando teimosia de amor
ao chão braseiro... mas, seu chão...
no seu morrer de morte encardida
obediente aos mandos do destino.
Vai tombar sem força pra lamentar...
eu não tenho mágoa. Não desgosto.
Mágoa lembra água...doce ilusão...
rezar? Não carece...faço mais não...
não sei quando começo ou acabo.
De tanto rezar perdi a direção certa.
Orar errado cria em Deus confusão...
pra não piorar é melhor ficar calada.
E já que chorar é pra mim devoção,
quando não puder mais caminhar,
o filho não vai morrer de sede, não...
encho a lata com minhas lágrimas
antes de tombar de morte morrida
com braços em cruz no meu chão.”
Saindo do braseiro do purgatório
conversando com seus poucos botões,
lá vem, capengando, a Severina,
e vem mastigando lamentações.
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