Rapina
Antonio Miranda Fernandes
Neste impreciso e sedado momento por recordar palavras iludidas de amor,
Vejo engodo e veneno no céu.
Posso sentir o ardor nos olhos rasgados por impiedoso bico adunco,
Envenenado por lembranças nesta moribunda hora.
Olhar o céu agora,
Nesta vaga, amarga e dopada ocasião,
É um vício inútil como uma ideia só,
E,
Tem-me levado os poemas nas garras em rapina numa enganadora cegueira,
De voar em sonhos,
Para largá-los, das alturas em lugares impossíveis,
Ou sobre a dureza de rochas no profundo das escarpas.
Ainda mais raros do que o próprio anil com que esmigalha,
Mais uma vez,
De encontro a este indefinido instante de riso disforme em que estou perdido.
Vou pensar todas as feridas e, refeito, olhar novamente o céu...
Talvez veja nele o voo demorado do lacrimejar pousar numa nuvem branca...
Talvez eu venha a sentir dor no peito e faça com ele um poema de adeus...
Talvez...